sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A Luz é Para Todos (Gentleman's Agreement) - 1947


Se tivesse sido feito hoje em dia, A Luz é Para Todos chamaria a atenção pela maneira como trata um assunto delicado como o preconceito: o ponto de vista da vítima dele. Imagine agora em 1947, quando foi filmado. Baseado em um livro escrito no mesmo ano, o filme foi bastante polêmico mesmo antes de iniciarem as filmagens.

No mesmo ano de 1947, o produtor de cinema Darryl F Zanuck tentou se tornar membro do Los Angeles Country Club. Como a maioria dos executivos e produtores de cinema da época eram judeus, seu cadastro foi recusado, pois acreditaram que ele também o era. Sentindo na pele o preconceito, Zanuck adquiriu os direitos do livro de Laura Z Hobson, Gentleman's Agreement (Acordo de Cavalheiros), para começar imediatamente uma adaptação para as telas.

O anti-semitismo estava em alta, após os acontecimentos na Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. O assunto estava praticamente esgotado, assim como na história do livro, mas nunca havia sido abordado dessa maneira. Grandes executivos do cinema - judeus, como já citado – tentaram impedir a realização com medo de que o assunto viesse à tona mais uma vez e tornasse as coisas ainda piores.

Gregory Peck vive o jornalista Phillip Green, um viúvo que cria seu único filho com a ajuda de sua mãe (Anne Revele) e se muda da Califórnia para Nova York para trabalhar em uma revista. Seu chefe encomenda a ele uma série de textos sobre o anti-semitismo, uma ideia de sua sobrinha, Kathy (Dorothy McGuire). Sem saber como abordar o tema de forma original, Phil tem uma crise de criatividade e não consegue começar a escrever. Nesse intervalo, ele conhece Kathy e se apaixona por ela e engatam um romance.

Sua mãe sofre um ataque cardíaco, o que o obriga a dividir as tarefas de casa com a escrita. Ele se lembra então de um amigo de infância, Dave (John Garfield), que é judeu e se pergunta como é que ele se sente com todo o preconceito. É aí que ele tem a ideia que vai ajudá-lo com sua série: ele vai se passar por judeu por algumas semanas.

A ideia começa a funcionar quando ele nota que alguns colegas tem comentários preconceituosos, mas sempre velados. Até mesmo sua secretária, também judia. Sua colega, Anne (Celeste Holm), também judia, logo se aproxima dele, sem conseguir esconder muito seu interesse amoroso nele. Eles acabam passando por situações preconceituosas juntos, inclusive quando Dave vem visitá-lo e anuncia que irá também mudar-se para a cidade, trazendo a esposa e os filhos.

As coisas se complicam quando o filho de Phil, Tommy (Dean Stockwell) é discriminado na rua por outras crianças e as atitudes de Kathy começam a disapontá-lo. Será o preconceito maior que o amor que sentem um pelo outro?

O grande diferencial do filme se deve ao fato de demonstrar que não são as ações explícitas de discriminação que aconteciam contra os judeus que mais os atingiam, e sim as ações veladas. Os “acordos de cavalheiros” de que se trata o nome original. Ninguém dizia que os judeus não eram bem-vindos, mas assim que o gerente do hotel sabia que o hóspede era judeu, nenhum quarto estava mais vago. E assim em todo o comércio, entre os vizinhos, no trabalho. Além disso, a omissão mesmo daqueles que se diziam enojados ou chocados com o preconceito também os afetava.

Apesar da beleza e da química dos protagonistas, e de tanto Peck quanto McGuire terem sido indicados por suas atuações, são as atuações dos coadjuvantes que chamam a atenção. Anne Revere e Celeste Holm foram indicadas ao prêmio de Atriz Coadjuvante, merecidamente, e o prêmio ficou com Celeste. John Garfield, que era judeu e, na época, um dos grandes atores de sua geração, aceitou o papel menor apenas para fazer parte do filme. O filme ainda garantiu um Oscar ao diretor, Elia Kazan, que mesmo assim declarou depois que não ficou satisfeito com o resultado do filme.

O mundo ainda passa por situações muito parecidas à história de A Luz é Para Todos até hoje, não apenas com judeus, mas com mulheres, negros, homossexuais, pobres. A lista é imensa. E se o anti-semitismo fosse trocado por homofobia, machismo ou preconceito racial, o filme não poderia ser mais atual. Um dos maiores serviços já prestados pela Fox com seus filmes.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Os Melhores Anos de Nossas Vidas (The Best Years of Our Lives) - 1946

O ano de 1946 foi marcado pela volta dos combatentes da Segunda Guerra Mundial à sua vida de civis. Como era de se esperar, não foi um retorno dos mais fáceis. Os Melhores Anos de Nossas Vidas retratou perfeitamente o sofrimento psicológico desses homens, e talvez esse seja o motivo do filme ter sido a maior bilheteria da época nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Al Stephenson (Fredric March), Fred Derry (Dana Andrews) e Homer Parrish (Harold Russell) se conhecem no vôo que os leva de volta para casa. Tendo cada um uma experiência diferente durante a guerra, os três compartilham da saudade de casa e da esperança de tempos melhores que estão por vir. Começava ali uma grande amizade.
Assim que desembarca, Fred se dirige à casa dos pais à procura de sua esposa, Marie (Virginia Mayo). Ao descobrir que a esposa agora é uma garçonete em uma casa noturna e não demonstra nenhum interesse em permanecer casada, Fred procura salvar seu casamento procurando um emprego onde consiga manter os luxos da esposa. Com dificuldade em arrumar trabalho, ele acaba voltando a ser um balconista de farmácia, o que leva seu casamento a uma crise ainda pior.

Al retorna ao seu antigo trabalho no banco. Com um cargo de confiança, ele enfrenta problemas quando começa a ajudar veteranos aprovando suas propostas de empréstimo sem qualquer garantia. Não bastando os problemas profissionais, ele ainda se sente um estranho ao voltar para seu lar, apesar dos esforços de sua esposa Milly (Mirna Loy) e de sua filha Peggy (Teresa Wright) em fazê-lo sentir-se confortável em sua própria casa.

Homer, que perdeu as duas mãos durante um incêndio, se encontra cada vez mais envergonhado de suas próteses em forma de gancho. Apesar de já ser praticamente independente, Homer não consegue esconder a vergonha de precisar de ajuda para executar algumas tarefas simples, como abotoar uma camisa ou segurar um copo de vidro. Ele também não acredita que sua noiva, Wilma (Cathy O'Donnell), ainda o ame, achando que ela sente apenas pena dele.

A vida dos três amigos se encontra cada vez mais complicada, cada um enfrentando o retorno à vida civil à sua maneira. Após um encontro em um bar, suas histórias se tornam cada vez mais entrelaçadas, e a amizade que se forja será essencial para que eles possam dar os primeiros passos em suas novas vidas.

Quando decidiu fazer um retrato do regresso dos veteranos, o produtor Samuel Goldwyn contratou o correspondente de guerra MacKinley Kantor para fazer um relato, o que acabou se tornando o livro "Glory for Me". Ele então contratou o roteirista Robert Sherwood para fazer a adaptação que levaria o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.

O diretor William Wyler utilizou suas próprias experiências na guerra para trazer realidade ao filme. Para ajudar ainda mais no clima verossímil, todos os membros da equipe contratada para a realização do filme era de ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial. Seu trabalho lhe rendeu o Oscar de Melhor Diretor pelo longa.

Wyler tinha visto um documentário onde Harold Russell aparecia, mostrando sua adaptação às próteses. Mesmo ele não sendo um ator profissional, o diretor insistiu para te-lo no papel de Homer Parrish, o que levou o estreante a ser o primeiro e único ator a ganhar dois Oscars pelo mesmo papel. Quando foi indicado ao prêmio de Melhor Ator Coadjuvante, a Academia achou que ele nunca ganharia, então decidiu dar a ele um Oscar Honorário pelo apoio e coragem que o papel daria aos veteranos. O que eles não esperavam é que Russell ganharia o prêmio de Coadjuvante, ficando para sempre registrado na história da premiação.

Apesar da participação relativamente pequena, Mirna Loy, como sempre, é um dos destaques do longa. No papel da esposa de Al, Loy consegue transmitir a angústia das esposas que, apesar da saudade, não reconheciam mais seus amados quando eles retornavam tão mudados após as experiências de guerra. Não é a toa que ela era a maior estrela de cinema da época! Fredric March levou o prêmio de Melhor Ator, mas a meu ver Dana Andrews se destacou muito mais em sua performance.
O filme ainda ganhou a estatueta da Academia em mais duas categorias (Melhor Trilha Sonora e Melhor Edição).

Apesar de ter sido um filme bastante importante na época, Os Melhores Anos de Nossas Vidas não é um daqueles filmes que gostaríamos de rever várias e várias vezes. Vale, obviamente, pelo retrato um tanto quanto fiel da época.