domingo, 6 de abril de 2014

A Grande Ilusão (All the King's Men) - 1949

Família, honra, honestidade, amizade, lealdade. De que um homem é capaz de abrir mão para sentir o gosto do poder? Traições, chantagens, assassinatos. De que coisas um homem é capaz para não perder o poder que lhe foi dado? Essas são algumas questões que A Grande Ilusão nos traz. Ele foi o último longa baseado em um vencedor do Pulitzer a vencer o Oscar de Melhor Filme. O livro, de mesmo nome, foi publicado em 1946 e escrito por Robert Penn Warren. O diretor Robert Rossen adquiriu os direitos sobre o filme, e só depois fechou o contrato com a Columbia para a filmagem. Sendo assim, ele produziu o filme, dirigiu-o e escreveu o roteiro.

Jack Burden (John Ireland) é um jornalista que recebe uma tarefa que pouco lhe agrada: cobrir a história de um fazendeiro, no interior dos Estados Unidos, que sonha em ser governador. Willie Stark (Broderick Crawford) tenta a todo custo fazer seus concidadãos acreditarem nele e em suas ideias honestas. Os políticos da cidade, porém, conseguem faze-lo recuar, através inclusive de violência contra seu filho Tom (John Derek). 

Anos depois, quando os mesmo políticos se veem perdendo a eleição, eles decidem usar Stark para dividir o voto do povo e assim elegerem seu candidato. Jack continua a cobrir a história de Stark, e acaba envolvendo sua noiva Anne (Joanne Dru), seu futuro cunhado Adam (Shepperd Strudwick) e o tio deles Juiz Stanton (Raymond Greenleaf) na campanha.  Durante uma discussão com a assistente de Stark, Sadie Burke (Mercedes McCambridge), Jack descobre a trapaça. Sadie acaba contando a Willie a verdade, o que irá modificar a estratégia dele e o levará ao poder.

O filme trata basicamente de dois assuntos: poder e relacionamentos. Vemos durante o decorrer do filme o personagem de Crawford se modificando e tornando-se, através dos relacionamentos e acordos políticos, tão corrupto quanto aqueles que ele lutava contra. Durante a cena final, quando o próprio Willie tenta entender que caminhos o levaram à aquele destino, fica evidente o quanto o poder é avassalador.

Ao colocar o personagem de Jack como foco da narrativa, o diretor tentou, sem muito sucesso, esconder o fato de o filme (e o livro antes dele) ter sido vagamente inspirado na vida do Governador da Louisiana, Huey Long. O nome do governador e senador era proibido de ser citado durante as gravações, segundo Crawford.

Durante as gravações, Rossen decidiu usar uma maneira diferente de direção. Ninguém na equipe tinha um script. Ele permitia que os atores lessem o script apenas uma vez e o tirava deles, tentando deixar as cenas o mais natural possível.

Apesar disso, a atuação de Broderick Crawford é memorável. Primeiro como o singelo caipira que pretende tornar o mundo mais justo e honesto. Depois, a modificação no caráter do personagem e em seu modo de se portar fica evidente graças à performance de Broderick, que nem passa perto da caricatura. Ele concorreu ao Oscar de Melhor Ator com John Wayne, que recusou  o papel indelicadamente dizendo que o roteiro era anti-patriota. Crawford levou a melhor, ganhando o prêmio.

Sua companheira na maior parte do filme, Mercedes McCambridge também brilha como a assistente apaixonada pelo chefe, mas resignada a seu papel na vida dele. Ela também levou a estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante.

O filme também foi indicado a Melhor Edição, mas não venceu na categoria, apesar de ser conhecido como um filme que foi salvo pela edição. Na primeira versão do diretor, o filme tinha 250 minutos, e tornava-se cansativo durante a exibição. Às vésperas de ser lançado, Rossen e o presidente da Columbia contrataram Robert Parrish para ajudar na edição, uma vez que Rossen não conseguia cortar cenas. Após muitos dias de impasse, Rossen disse para Parrish pegar apenas a parte central de cada cena, colocar na máquina de edição e contar 100 pés antes e 100 pés depois e cortar a cena, independente de diálogo, música, etc. Foi isso que foi feito e essa foi a edição final.

Apesar de mostrar o lado sujo da política e como ela pode transformar um cidadão de bem, A Grande Ilusão é um filme gostoso de assistir e que trouxe reflexões à sociedade não só da época em que foi lançado, mas também aos que descobrem o filme atualmente. 



sexta-feira, 28 de março de 2014

Hamlet (Hamlet) - 1948

De acordo com alguns críticos atuais e da época, a adaptação da peça de Shakespeare para o cinema feita por Sir Laurence Olivier é a melhor já realizada. A peça tem duração de 4 horas, mas o filme tem “apenas” duas horas e meia, à custa de vários cortes, inclusive de personagens importantes, o que gerou uma série de críticas pelos fãs do dramaturgo inglês. O filme foi o segundo dirigido pelo ator, a primeira versão da peça para o cinema, o único dirigido por ele a ganhar o prêmio máximo da Academia e única adaptação de Shakespeare a levar o mesmo prêmio.


Fora tudo isso, o filme é bastante chato, não posso negar. Estava bastante ansioso por ver o famoso Hamlet nas telas, ainda mais com Olivier na pele do Príncipe da Dinamarca. Mas a linguagem datada, o tamanho do filme e a interpretação realmente exagerada de Olivier me deixaram bastante decepcionado.  E olha que ele também ganhou o Oscar de Melhor Ator, o único de sua carreira (fora os dois honorários).


A história começa com Hamlet sendo contactado pelo espírito de seu pai, o Rei Hamlet (voz do próprio Laurence), que lhe conta que foi assassinado pelo próprio irmão, o Rei Claudius (Basil Sydney) e traído por sua esposa, a Rainha Gertrude (Eileen Herlie). Os dois se casaram apenas dois meses após a morte do Rei, o que deixou Hamlet inconformado. Em honra à memória de seu pai, o jovem príncipe acaba abrindo mão de seu grande amor, Ophelia (Jean Simmons), e ganha fama de louco para levar até o fim seu plano de vingança.

Os pontos fortes do filme são a interpretação de Jean Simmons, principalmente nas cenas de loucura da personagem que lhe renderam a indicação a Melhor Atriz Coadjuvante, e de Eileen Herlie, que na época tinha apenas 28 anos (Olivier, seu filho no filme, tinha 40).

A fotografia é bem interessante, com técnicas de profundidade que estavam apenas começando a serem usadas naquela época, e que renderam a estatueta de Melhor Direção de Arte em Preto-e-Branco. O diretor explicou que filmou em preto-e-branco para maior dramaticidade.

Outra parte muito legal é a cena do duelo, muito bem coreografada. A cena em que Hamlet se precipita sobre o Rei, saltando de um lugar mais alto, foi a última a ser gravada, pois temia-se que ele se machucasse e não pudesse concluir as filmagens. Ele saiu ileso, mas o dublê que fazia o rei perdeu dois dentes e desmaiou com o impacto.

Já os pontos fracos são a interpretação do próprio Olivier que foi, como eu disse, exagerada. Não me entendam mal: não é uma interpretação ruim, só acho que ele acabou ficando caricato e forçado, quase que tentando provar que ótimo ator ele era, como se ele precisasse disso. 

Considerado por muitos o melhor ator do Século XX, acredito que se ele tivesse sido mais natural o resultado teria sido muito melhor. Sinto-me até desconfortável em criticar Olivier, um dos atores que mais gosto, mas realmente foram essas as minhas impressões.

Hamlet foi o primeiro filme inglês a ganhar o Oscar de Melhor Filme. Além dos prêmios já citados, ele ainda venceu na categoria Melhor Design (Figurino) em Preto-e-Branco. Olivier ainda dirigiu mais duas adaptações de Shakespeare, Henry V e Richard III , considerados pela crítica muito melhores que este. 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A Luz é Para Todos (Gentleman's Agreement) - 1947


Se tivesse sido feito hoje em dia, A Luz é Para Todos chamaria a atenção pela maneira como trata um assunto delicado como o preconceito: o ponto de vista da vítima dele. Imagine agora em 1947, quando foi filmado. Baseado em um livro escrito no mesmo ano, o filme foi bastante polêmico mesmo antes de iniciarem as filmagens.

No mesmo ano de 1947, o produtor de cinema Darryl F Zanuck tentou se tornar membro do Los Angeles Country Club. Como a maioria dos executivos e produtores de cinema da época eram judeus, seu cadastro foi recusado, pois acreditaram que ele também o era. Sentindo na pele o preconceito, Zanuck adquiriu os direitos do livro de Laura Z Hobson, Gentleman's Agreement (Acordo de Cavalheiros), para começar imediatamente uma adaptação para as telas.

O anti-semitismo estava em alta, após os acontecimentos na Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. O assunto estava praticamente esgotado, assim como na história do livro, mas nunca havia sido abordado dessa maneira. Grandes executivos do cinema - judeus, como já citado – tentaram impedir a realização com medo de que o assunto viesse à tona mais uma vez e tornasse as coisas ainda piores.

Gregory Peck vive o jornalista Phillip Green, um viúvo que cria seu único filho com a ajuda de sua mãe (Anne Revele) e se muda da Califórnia para Nova York para trabalhar em uma revista. Seu chefe encomenda a ele uma série de textos sobre o anti-semitismo, uma ideia de sua sobrinha, Kathy (Dorothy McGuire). Sem saber como abordar o tema de forma original, Phil tem uma crise de criatividade e não consegue começar a escrever. Nesse intervalo, ele conhece Kathy e se apaixona por ela e engatam um romance.

Sua mãe sofre um ataque cardíaco, o que o obriga a dividir as tarefas de casa com a escrita. Ele se lembra então de um amigo de infância, Dave (John Garfield), que é judeu e se pergunta como é que ele se sente com todo o preconceito. É aí que ele tem a ideia que vai ajudá-lo com sua série: ele vai se passar por judeu por algumas semanas.

A ideia começa a funcionar quando ele nota que alguns colegas tem comentários preconceituosos, mas sempre velados. Até mesmo sua secretária, também judia. Sua colega, Anne (Celeste Holm), também judia, logo se aproxima dele, sem conseguir esconder muito seu interesse amoroso nele. Eles acabam passando por situações preconceituosas juntos, inclusive quando Dave vem visitá-lo e anuncia que irá também mudar-se para a cidade, trazendo a esposa e os filhos.

As coisas se complicam quando o filho de Phil, Tommy (Dean Stockwell) é discriminado na rua por outras crianças e as atitudes de Kathy começam a disapontá-lo. Será o preconceito maior que o amor que sentem um pelo outro?

O grande diferencial do filme se deve ao fato de demonstrar que não são as ações explícitas de discriminação que aconteciam contra os judeus que mais os atingiam, e sim as ações veladas. Os “acordos de cavalheiros” de que se trata o nome original. Ninguém dizia que os judeus não eram bem-vindos, mas assim que o gerente do hotel sabia que o hóspede era judeu, nenhum quarto estava mais vago. E assim em todo o comércio, entre os vizinhos, no trabalho. Além disso, a omissão mesmo daqueles que se diziam enojados ou chocados com o preconceito também os afetava.

Apesar da beleza e da química dos protagonistas, e de tanto Peck quanto McGuire terem sido indicados por suas atuações, são as atuações dos coadjuvantes que chamam a atenção. Anne Revere e Celeste Holm foram indicadas ao prêmio de Atriz Coadjuvante, merecidamente, e o prêmio ficou com Celeste. John Garfield, que era judeu e, na época, um dos grandes atores de sua geração, aceitou o papel menor apenas para fazer parte do filme. O filme ainda garantiu um Oscar ao diretor, Elia Kazan, que mesmo assim declarou depois que não ficou satisfeito com o resultado do filme.

O mundo ainda passa por situações muito parecidas à história de A Luz é Para Todos até hoje, não apenas com judeus, mas com mulheres, negros, homossexuais, pobres. A lista é imensa. E se o anti-semitismo fosse trocado por homofobia, machismo ou preconceito racial, o filme não poderia ser mais atual. Um dos maiores serviços já prestados pela Fox com seus filmes.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Os Melhores Anos de Nossas Vidas (The Best Years of Our Lives) - 1946

O ano de 1946 foi marcado pela volta dos combatentes da Segunda Guerra Mundial à sua vida de civis. Como era de se esperar, não foi um retorno dos mais fáceis. Os Melhores Anos de Nossas Vidas retratou perfeitamente o sofrimento psicológico desses homens, e talvez esse seja o motivo do filme ter sido a maior bilheteria da época nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Al Stephenson (Fredric March), Fred Derry (Dana Andrews) e Homer Parrish (Harold Russell) se conhecem no vôo que os leva de volta para casa. Tendo cada um uma experiência diferente durante a guerra, os três compartilham da saudade de casa e da esperança de tempos melhores que estão por vir. Começava ali uma grande amizade.
Assim que desembarca, Fred se dirige à casa dos pais à procura de sua esposa, Marie (Virginia Mayo). Ao descobrir que a esposa agora é uma garçonete em uma casa noturna e não demonstra nenhum interesse em permanecer casada, Fred procura salvar seu casamento procurando um emprego onde consiga manter os luxos da esposa. Com dificuldade em arrumar trabalho, ele acaba voltando a ser um balconista de farmácia, o que leva seu casamento a uma crise ainda pior.

Al retorna ao seu antigo trabalho no banco. Com um cargo de confiança, ele enfrenta problemas quando começa a ajudar veteranos aprovando suas propostas de empréstimo sem qualquer garantia. Não bastando os problemas profissionais, ele ainda se sente um estranho ao voltar para seu lar, apesar dos esforços de sua esposa Milly (Mirna Loy) e de sua filha Peggy (Teresa Wright) em fazê-lo sentir-se confortável em sua própria casa.

Homer, que perdeu as duas mãos durante um incêndio, se encontra cada vez mais envergonhado de suas próteses em forma de gancho. Apesar de já ser praticamente independente, Homer não consegue esconder a vergonha de precisar de ajuda para executar algumas tarefas simples, como abotoar uma camisa ou segurar um copo de vidro. Ele também não acredita que sua noiva, Wilma (Cathy O'Donnell), ainda o ame, achando que ela sente apenas pena dele.

A vida dos três amigos se encontra cada vez mais complicada, cada um enfrentando o retorno à vida civil à sua maneira. Após um encontro em um bar, suas histórias se tornam cada vez mais entrelaçadas, e a amizade que se forja será essencial para que eles possam dar os primeiros passos em suas novas vidas.

Quando decidiu fazer um retrato do regresso dos veteranos, o produtor Samuel Goldwyn contratou o correspondente de guerra MacKinley Kantor para fazer um relato, o que acabou se tornando o livro "Glory for Me". Ele então contratou o roteirista Robert Sherwood para fazer a adaptação que levaria o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.

O diretor William Wyler utilizou suas próprias experiências na guerra para trazer realidade ao filme. Para ajudar ainda mais no clima verossímil, todos os membros da equipe contratada para a realização do filme era de ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial. Seu trabalho lhe rendeu o Oscar de Melhor Diretor pelo longa.

Wyler tinha visto um documentário onde Harold Russell aparecia, mostrando sua adaptação às próteses. Mesmo ele não sendo um ator profissional, o diretor insistiu para te-lo no papel de Homer Parrish, o que levou o estreante a ser o primeiro e único ator a ganhar dois Oscars pelo mesmo papel. Quando foi indicado ao prêmio de Melhor Ator Coadjuvante, a Academia achou que ele nunca ganharia, então decidiu dar a ele um Oscar Honorário pelo apoio e coragem que o papel daria aos veteranos. O que eles não esperavam é que Russell ganharia o prêmio de Coadjuvante, ficando para sempre registrado na história da premiação.

Apesar da participação relativamente pequena, Mirna Loy, como sempre, é um dos destaques do longa. No papel da esposa de Al, Loy consegue transmitir a angústia das esposas que, apesar da saudade, não reconheciam mais seus amados quando eles retornavam tão mudados após as experiências de guerra. Não é a toa que ela era a maior estrela de cinema da época! Fredric March levou o prêmio de Melhor Ator, mas a meu ver Dana Andrews se destacou muito mais em sua performance.
O filme ainda ganhou a estatueta da Academia em mais duas categorias (Melhor Trilha Sonora e Melhor Edição).

Apesar de ter sido um filme bastante importante na época, Os Melhores Anos de Nossas Vidas não é um daqueles filmes que gostaríamos de rever várias e várias vezes. Vale, obviamente, pelo retrato um tanto quanto fiel da época.